14 outubro 2012

De Patinho Feio a Cisne, de espectador a autor

Este texto eu produzi especialmente para o blog Caldeirão de Ideias que está desenvolvendo um projeto , postando artigos de vários educadores a convite do professor Robson Friere, seu administrador. Agradeço a ele pelo convite  que muito me honrou e sugiro  aos leitores que visitem o Caldeirão e vejam as postagens sobre os mais diversos temas educacionais.
 
 
A web 2.0, com sua infinidade de ferramentas interativas, modificou radicalmente a postura do usuário, antes mero espectador, agora possível autor. A produção de conteúdo de forma livre, gratuita e compartilhada deu voz a milhões de pessoas, que a um clique, sem sair do lugar, saem do anonimato.Pesquisa e autoria são palavras da hora. Textos, imagens, vídeos, áudios, uma avalanche de informações vai compondo o cyberespaço em fóruns, blogs, redes sociais. Aos usuários atentos, cabe filtrar o que é de qualidade e de seu interesse. Cada um procura seus pares, cria seu espaço, seja para divulgar negócios, notícias, ideias, campanhas, protestos, sentimentos, enfim, socializa o que quiser. Na educação, é a chance de poder ampliar o espaço e tempo da sala de aula, utilizando a rede para aprender e ensinar em contexto social e significativo.



Teorizando sobre a importância de desenvolver a pesquisa e autoria na escola, cito grandes pensadores como Piaget, o qual disse que a criança é naturalmente curiosa e experimentadora e Paulo Freire e sua ideia da “educação bancária”, através da qual o educador faz “depósitos” nos educandos e estes apenas os reproduzem, submissos, acomodados em contraposição à “educação libertadora” em que há, problematização, dialogicidade, reflexão, transformação. Ora, o que se observa , em pleno século XXI é ainda o predomínio da educação “transmissora”(disfarçada de moderna), da aula expositiva, centrada no educador(?). E assim, muitas vezes, a criança curiosa e autêntica aos poucos vai dando lugar ao adolescente desmotivado e acomodado, ao longo da vida escolar, refletindo em baixo rendimento, reprovações, evasões, naquela novela que todos conhecemos.

Estamos no século XXI, a tecnologia revolucionou a vida , as relações humanas, mas a escola caminha a passos lentos, lutando para se libertar de velhas metodologias. Lembro da história de Eduardo Galeano sobre o soldado que no quartel montava guarda ao lado de um banquinho. De geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os soldados a obedeciam sem perguntar o motivo. Até que algum militar , incomodado com a situação, investigou e descobriu que havia trinta e três anos, dois meses e quatro dias, um oficial havia mandado montar guarda junto ao banquinho, que estava recém-pintado, para que não acontecesse de alguém sentar sobre a tinta fresca. Fazendo uma analogia, vejo que nas escolas, muito se repetem conteúdos que não tem significação, mas que “precisam ser ensinados” por que estão no currículo. Felizmente, há educadores inovadores que estão quebrando paradigmas, questionando e modificando metodologias, fazendo educação mais significativa.

Incentivar a pesquisa, a autoria, a autenticidade do pensamento faz parte de uma educação libertadora, desalienante e que não interessa a todos. Por isso , eu penso que dar uma aula centrada no educando, em que ele se sinta desafiado a refletir e produzir, é antes de tudo uma questão ideológica, que implica numa mudança de metodologia, a qual pode fazer uso da tecnologia.




Para ilustrar esse tema, opto por relatar um pouco da minha trajetória pessoal. Desde sempre fui introspectiva. Tenho isso no meu DNA. Não sei se isso implica obrigatoriamente em ser uma pessoa tímida, mas o fato é que a timidez me atormentou, entre outras coisas, especialmente durante minha infância e adolescência a ponto de afetar minha autoestima e impedir que eu colocasse para fora meus conflitos e minhas ideias. Sim, eu tinha muitas ideias, mas não conseguia dividi-las, e, como se não bastasse, isso era reforçado pelas aulas expositivas em que era obrigatório assimilar , memorizar e reproduzir a fala do professor para ser aluno nota 10, o que aliás eu sempre fui, porque era muito atenta. Não tiro o valor das aulas que tive. Até porque naquela época, a única fonte de informação e conhecimento vinha mesmo dos professores e devo muito a eles. Mas os momentos que mais me marcaram na trajetória escolar, foram os que eu pude produzir algo, seja através de uma pesquisa na Feira de Ciências, seja nas escritas das redações, algumas das quais guardo até hoje. Fora da escola, escrevia e escondia os rascunhos numa pasta velha. Ali eu expulsava alguns dos demônios que me atormentavam. Nunca ninguém leu esses meus escritos, mas eles foram fundamentais para que eu suportasse a solidão do meu casulo.

Sempre digo que sou de uma geração única, que viveu mudanças inimagináveis ao longo de nem tantos anos assim. Na minha infância até o início da adolescência , precisava de uma vela para ler à noite. Sem telefone, sem TV, sem internet, apenas a rádio como janela para o mundo, mesmo assim só podia desfrutar como ouvinte. Em poucos anos, passei de um extremo a outro. Vi chegar a TV, o telefone, a internet. Vi o mundo entrando dentro de casa e a possibilidade de compartilhar ideias.

Saindo do interior para a capital, na década de oitenta, fui morar na Av. Independência e comecei a me formar uma educadora numa instituição chamada Jardim de Infância “Patinho Feio”(seria mera coincidência?) . Foi ali que tive a oportunidade, pela primeira vez, de entender na prática que a aprendizagem se faz com interação. Que numa sala de aula, o educador é fundamental para mediar, mas quem deve produzir e construir o conhecimento é o educando. Só depois de concluída a universidade , retornando à pequena cidade natal (sou ligada às minhas origens) e iniciar minha prática docente em escola pública, tive acesso à internet banda larga pelos idos de 2004.

Foi o divisor de águas na minha vida profissional e consequentemente, também pessoal. Descobri, através da criança curiosa que sempre viveu em mim, que pesquisando, produzindo, compartilhando poderia dar visibilidade ao trabalho e, mais que isso, poderia incentivar meus alunos a serem autores de seu conhecimento e serem cidadãos libertos e capazes de fazerem suas próprias escolhas. Comecei a explorar ferramentas, experimentá-las na prática, encontrar pessoas afins com quem trocar ideias. Elegi como minha ferramenta preferida o blog, o qual considero espaço privilegiado para produções autorais e co-autorais onde autor e leitor interagem e aprendem em rede e onde muitas outras ferramentas podem ser publicadas. Reúno as minhas ideias e links de meus blogs no meu blog mãe Blogosfera Marli, espaço onde conquistei leitores, posso dizer-lhes o que penso e descubro, onde consigo me comunicar com liberdade e aprender muito e constantemente, pois como disse Paulo Freire, a educação é um ato inconcluso, estamos sempre em constante formação.

Na blogosfera, nas redes sociais encontrei pessoas de todos os cantos do país e até mesmo fora dele que se tornaram amigos e colaboradores muito especiais, muitos deles já “desvirtualizados”, com quem tenho afinidade de pensamento. Me tornei também formadora à distância e presencialmente, graças à possibilidade de me sentir uma educadora pesquisadora e autora. Conquistei premiações com o trabalho, tive oportunidade de viajar pelo mundo em função disso, viver experiências , construir aprendizagens riquíssimas.

Por que relatei um pouco de minha experiência pessoal? Porque sinto na minha pele, por experiência própria, o quanto pode fazer a diferença oportunizar ao aluno expressar o pensamento, instigar a curiosidade, produzir seu conhecimento e compartilhar. Imagino cada um deles como se fosse eu mesma ou um dos meus filhos. Não conhecemos a história pessoal de cada um , mas podemos permitir que todos desenvolvam seu potencial, à sua maneira. Hoje, eu continuo introspectiva, mas já não vejo isso como um problema e sim como um jeito privilegiado de ser. De fato, não me sinto mais um patinho feio, descobri um cisne habitando em mim.

Por fim, encerro com alguns questionamentos direcionados aos educadores.

Será que somos coerentes em nossa prática com a ideologia que acreditamos e defendemos em nossos discursos? Se queremos fazer dos alunos cidadãos críticos, atuantes, transformadores , por que muitas vezes não problematizamos situações, os desafiamos a refletirem, produzirem, expressarem seus pensamentos, exercitar a autoria ao invés de entregamos as respostas de bandeja? Estamos do lado da escola conservadora que procura acomodar os alunos ao mundo que temos ou do lado da escola inovadora que busca inquietá-los para a sua transformação?

Referências bibliográficas:
Demo, Pedro; Barbosa, Alexandre Marcos Lourenço Entrevista. In http://www.jornalolince.com.br/2007/nov/entrevista/pedro.php Acesso em 20/10/2012 Ferrari, Paulo. Paulo Freire.Revista Educar para Crescer, Editora Abril In http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/paulo-freire-300776.shtml Acesso em 21/10/2012 Toyama, Francis. Educação Bancária e Educação Libertadora. In . http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/2339567 . Acesso em 21/10/2012

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